TEXTOS




Mundos frágeis adquiridos
No despedaçamento de um só.
E o saber do real múltiplo
e o sabor dos reais possíveis
e o livre jogo instituído
contra a limitação das coisas
contra a forma anterior do espelho.

Orides Fontela




[ um olho caminha no espaço. vê no mundo um corpo que ficasse marcado 

de veia, ruga, cicatriz, sujeira, esforço, ideia, encontro, sensação. a 
passagem revela algo que tenta escapar ao visível. 
então o olho busca apreender o rastro, o que acontece, 
e desatina a buscar o mundo como possibilidade.

[ modos de ver : a massa física ou translúcida do gesto fantasma : a tela 

o papel o ar feito superfícies possíveis ou transponíveis : memória de 
acontecimento nem-visto. marcha do tempo no espaço : rasgo, corte, fissura, 
queda, monte, suspensão, vento, passo, miragem : partir do chão onde a 
cidade se funda e alastra. ver a terra : procurando o que vai escondido no 
branco ou que o branco ilumina – atrás, por dentro, por cima, através. isto 
e aquilo. as trocas : caminhos do desejo, do desvio, da pausa-pensamento.
desfiar a tela como um outro jeito de tecer : vestígio dissolvido ou revelado. 
procurar que história conta a passagem (de gente, matéria, coisas) : 
convergir o movimento do olho, dos pés, da mão, do corpo : inventar o 
mundo impresso num sudário : imaginando a pintura do espaço.

Ludmilla Alves. Março,  2014.







PLANO EXPANDIDO



O Plano Expandido, aqui compreendido como: o plano, o espaço no qual a ação pictórica acontece; expandido, para além do plano bidimensional da pintura e também sua compreensão mais ampla como campo de potência.


Este projeto consiste na ocupação da Galeria Espaço Piloto a partir das produções de Ananda Giuliani, Samantha Canovas e Isadora Dalle. O diálogo entre essas três linhas de trabalho se configura em pensar o espaço na pintura e sua relação com o meio que a envolve, para além de sua própria bidimensionalidade.
A partir da expansão da pintura para o plano tridimensional, estabelecida por exemplo, em Lucio Fontana e Hélio Oiticica, investigamos a presença e manifestação do espaço na obra de arte contemporânea.


Através das relações entre objeto de arte e espectador, Ananda Giuliani pensa a relação que se estabelece entre a obra e o próprio espaço de mundo; a obra o requisita, reconfigura, o contém e de certa forma o ressignifica para se conformar e individuar nele como arte. A partir das obras propostas coloca-se a ação como condicionante do resultado estético e da própria experiência física e visual, seja pelo deslocamento do espectador para visualização da obra ou no rastro da ação da própria artista.
A partir da produção de objetos que perpetuem um espaço ao mesmo tempo tridimensional e bidimensional, Samantha Canovas experimenta um processo no qual através da reconstrução dos materiais canônicos que precedem a pintura, pretendem explorar ao máximo as polaridades do objeto pintura.
Fazendo uso do desenho, Isadora Dalle investiga a relação entre o espaço bidimensional do papel e o detalhe, onde a intimidade proporciona outro tipo de relação com a obra. A aproximação necessária para construir seu todo, compreendendo suas pequenas partes, estabelece um contato mais estreito entre o que se vê e o que se percebe.

A exposição Plano Expandido, tem como objetivo mostrar as produções dessas artistas abarcando parte significativa de seus trabalhos, que juntos ajudam a compreender de forma mais ampla e aprofundada a busca de cada uma.



OCUPAÇÃO DO ANDAR SUPERIOR


Para a ocupação do andar superior (mezanino), propomos a realização de uma instalação.
A obra consiste em três faixas definidas, paralelas umas às outras, perpendiculares às paredes e que vão de um lado ao outro das mesmas. A primeira faixa é uma fina camada de terra vermelha, a segunda faixa é um vão sem interferência (chão original) e a terceira faixa é constituída pela junção de duas tiras de lona crua. As três faixas ocorrem no espaço definido pela parede avulsa do mezanino, não chegando ao final da sala.


Como diretrizes para a ocupação do espaço temos: horizontalidade predominante, fluxo pré-definido (ir e vir paralelamente às paredes principais) e aproximação para a contemplação das obras na parede mais distante da escada. Em resposta às determinantes observadas do local, decidiu-se agir em acordo com a horizontalidade, interferindo diretamente no chão; e em desacordo com a determinação do fluxo, a partir de faixas perpendiculares ao deslocamento usual no espaço.


A série “Registros temporais sobre espaços específicos” se encontrará na parede ao final da sala e para sua observação será preciso a passagem por cima da obra. Este passar pela terra vermelha e depois pela lona crua, provocará um deslocamento da faixa de terra e uma demarcação do caminho escolhido, através do vestígio das pegadas do passante. A dinâmica construída a partir dessa transformação, não só da massa de terra mas como do espaço antes branco da tela, revela um caráter de inferência na atuação do observador na obra, uma vez que, mesmo de maneira sutil o passante interfere no plano de passagem.



O resultado da obra após seu acontecimento durante todo o período de exposição, se configura como um objeto de registro não só da ação física ocorrida em todo o espaço da obra (na desconfiguração da faixa de terra e nas marcas deixadas na lona) como também, em um registro temporal dessa ação. Desta forma, se estabelece um diálogo entre a instalação e as obras apresentadas na mesma sala,”Registros temporais sobre espaços específicos” de Samantha Canovas. Além disso, a obra permeia toda a exposição, tensionando diferentes características existentes em cada corpo de trabalho das artistas.



Ananda Giuliani, Isadora Dalle e Samantha Canovas,  2013.







Investigação Criminal 6



Espaço Piloto – UnB

Plano Expandido

Isadora Dalle, Ananda Giuliani e Samantha Canovas. 

A exposição estava ótima, eu acompanho estas moças já faz um tempo. Eu diria que poderíamos ter um subtítulo ou um adendo ao título escolhido por elas para qualificar a exibição “Tributo ao Neoconcretismo”. Há na apresentação um evidente diálogo com esta tendência muito importante dahistória recente da arte no Brasil. As três questionam os meios, os suportes e a não representação e se utilizam deste questionamento como motivação e forma de ação poética. Faturas apuradíssimas e em todos os trabalhos há uma denúncia de quebra de fronteiras entre o Bi e o Tri, plano expandido em multidireções. Tem muito mais coisas a serem ditas, espero que outros colegas se manifestem também. A Isadora foi prejudicada nos trabalhos menores (pequenos formatos), as sutilezas das marcas pictóricas/relevos sobre o papel estavam também na parede da galeria. Parabéns meninas, ousadia sempre!


Miguel Simão